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segunda-feira, junho 19, 2006

"2046", Odisseia de Wong Kar-wai no Planeta da Memória

De todos os significados que se atribuíam ao título do último filme de Wong Kar-wai, "2046", um ganhou coro ao longo dos quatro anos que o cineasta demorou a concretizá-lo: dizia, como piada, que 2046 designava o ano em que o filme estaria pronto. Até estrear em Cannes, quinta-feira à noite, passou por interrupções de rodagem, devido à vontade do realizador que várias vezes recomeçou tudo (é um método...), devido a contingências como a crise económica asiática ou o síndrome da pneumonia atípica. Problemas técnicos, com os efeitos especiais, obrigaram a novas filmagens há uma semana. A passagem em Cannes esteve comprometida. Finalmente, chegou. A expectativa aumentara - na proporção em que a imprensa fez eco do ranger de dentes de alguns cineastas, insinuando que foi "golpe de marketing" e que a direcção do festival cedeu aos caprichos do realizador ao proceder a alterações no programa à última hora para remediar o atraso. Quanto a Wong, pôde exclamar: "Acabou!". Como disse, aceitou que o filme estivesse em Cannes, e em competição, para lhe pôr um fim, se não ainda estaria a acabá-lo, processo que, no caso dele, pode ser uma odisseia interminável. "Hoje, neste dia de Maio, posso dizer que a cópia que viram de '2046' é a definitiva. Mas nunca se sabe... E isso vale para todos os meus filmes". Defintivo ou não, é o "2046" que temos. E confirmando-se que é uma história, como fora anunciado, que prolonga a personagem masculina do anterior "In the Mood for Love", como considerá-la? Continuação? Há quem não se desembarace da memória de "In the Mood for Love". Há quem encontre mais do mesmo - ou o mesmo de forma mais problemática (há intromissões de ficção científica pelo meio da narrativa). Há quem se queixe do contrário: de não ser suficientemente como... E há quem tenha sido engolido e saísse da sala com o filme dentro, o mais memorável do concurso. Quem se recorda? A personagem de Tony Leung fora abandonada por Maggie Cheung no final de "In the Mood...". Encontramo-lo agora (com bigode) anos depois num hotel, escrevendo folhetins para ganhar dinheiro, imaginando, a partir do corropio de mulheres à sua volta, corpos que ele acabe por transformar em destroços. Um número de quarto - 2046 - fixou-lhe a atenção: o quarto de hotel em que ele e Maggie Cheung se encontravam, em "In the Mood for Love". É o número que passa a designar (na "rêverie" de ficção científica que se intromete, com robôs e tudo) o lugar onde as memórias permanecem, onde nada muda. Tony Leung, é essa a história de "2046", quer esquecer, quer mudar. Não é outra a oscilação do espectador. "2046" pode então designar também o espaço da memória do cinema de Wong Kar-wai, os seus sinais marcantes, contra os quais o espectador se debate. Como se se debatesse contra um fantasma. Sim, "2046" tem em "In the Mood for Love" o seu filme-fantasma. E assim se faz uma "continuação" questionando. Num percurso contraditório, de oscilação entre o regresso a lugares que já conhecemos e a descoberta. Onde, à capacidade, já mostrada, deste realizador fetichista em recriar um mundo - Hong Kong, anos 60 - na esquina do cenário, através de uma cançoneta ou pela forma de uma personagem pousar o salto de um sapato, pode haver agora algo nunca visto: carne. É o filme mais sexual de Wong (o sexo tinha sido cortado de "In the Mood..."). São memoráveis três espantosos retratos de entrega feminina: Zhang Ziyi (estrela de Zhang Yimou), Gong Li (a boneca de porcelana foi partida por Wong) e Faye Wong (a rapariga do bar de "fast food" de "Chungkin..."). Há ainda outra, uma "special appearance...". É Maggie Cheung. Quem conseguir que a descubra: numa sombra? num "robô" no plano final? É o fantasma de "2046" e mesmo que nunca a consigamos ver, ela é a "atracção especial", de Tony Leung e do espectador. Wong Kar-wai resumiu assim: "O dilema das personagens é que quanto mais querem ser diferentes, tanto mais as coisas se parecem com o passado. O filme, nesse aspecto, é como as personagens. Quanto mais fazemos para esquecer o passado, mais as coisas ficam presentes na nossa memória. Por isso, o melhor é esperar que algum dia o passado nos abandone. Esqueçam 'In the Mood for Love'". Como?

"festival para gente sentada"

A realização do “Festival para Gente Sentada” surge com o objectivo de preencher uma lacuna existente no mercado de oferta musical nacional. Surge ainda como alternativa aos festivais de Verão, num contexto de clara emergência de festivais ligados a outros géneros musicais que não somente o Rock. Direccionado para um público mais exigente, este não é um festival para as massas, porém a ressonância mediática do mesmo apresenta-se como uma mais-valia para a sua realização, em grande parte devido à apresentação de cantautores/songwriters internacionais, a maioria em estreia absoluta no nosso país. são prova disso mesmo os nomes em cartaz na edição de 2004 - Devendra Banhart, Robert Fisher, Kate Walsh, Rosie Thomas, Sufjan Stevens e Nicolai Dunger e em 2005 - Woven Hand, Damien Jurado, Old Jerusalem, Patrick Wolf, Sondre Lerche e Josephine Foster. A descoberta e apresentação de novos projectos musicais são os objectivos fundamentais do FPGS, iniciativa que vem na linha da política Concelhia de inovação e desenvolvimento de novos projectos culturais. Datas provisórias – 27 e 28 de Outubro 2006 Programa brevemente disponível.

"vetiver"

Vetiver No plano formal, no que à inovação concerne, o adensar de idiomas em canção – especialmente no caso da norte-americana -, o acto de compôr e realizar parece-se tornar cada vez mais, na sua generalidade, um acto tão heróico quanto potencialmente inglório. No meio de tantas vozes que se erguem, partindo da Americana, raras são aquelas que parecem obter qualquer tipo de sucesso, após degladearem-se numa batalha quase impossível contra décadas de tradição, milhões de histórias e formas. Os poucos que ficam são aqueles que, por uma série de factores, conseguem criar um discurso próprio, uma panóplia de intricacias, poéticas, visões e sensibilidades que, de tão transparentes e inteligentes, são um para-sempre raro meio de contar a vida como ela aconteceu e acontece, previsões e ensejos para tempos futuros. Andy Cabic, quando passarem uns meses depois do lançamento do seu novo álbum «To Find Me Gone», sob o nome Vetiver, é bem possível que dê por si inscrito já na história como um dos grandes compositores de canções norte-americanos dos últimos anos. O seu primeiro álbum, homónimo, era um maravilhoso conjunto de orquestrações, espontaneidades (da folia à melancolia) e cunho particular, criado com o rodeio de gentes como Devendra Banhart, Hope Sandoval ou Joanna Newsom. «To Find Me Gone» alastra o espectro de amigos numa linha costa a costa. Para lá de Banhart, o núcleo duro da sua banda constituído por Otto Hauser (Espers), Kevin Barker (Currituck Co.) e Alissa Anderson mantém-se, ladeado por mais dezena e meia de família e colaboradores. Pensem em Neil Young, The Band, Creedence Clearwater Revival, Quicksilver Messenger Service ou Fleetwood Mac, num álbum que oferece uma dimensão de grupo que tanto sabe cair num beat de boogie perfeito, como arrastar dolências até a um sítio onde o pôr do sol estival nunca acaba. «To Find Me Gone» é, já em muitos escritórios de editoras, distribuidoras, serviços de mailorder e quem mais já o tenha apanhado, o disco oficial de finais de tarde de Verão. Manda grão, poeira, sol, corações descontraídos e deixa toda a gente acordada com uns arranques roqueiros imaculados enviados na nossa direcção sempre na altura certa. Uma voz criativa que está tão aculturada no universo da canção que só poderia fazer uma que saísse tão naturalmente de si, como nasce sua. Assim que apanharem aquelas cordas vocais a ranger pelo meio de fios de guitarra eléctrica, arranjos para de cordas a descomprimir e percussões leves a funcionar, depressa vão perceber que é meio criminoso passar ao lado deste concerto. Tratem lá disso. + info: http://www.vetiverse.com/ + myspace: http://myspace.com/vetiver

sábado, maio 06, 2006

lhasa de sela (Lisboa)

  Posted by Picasa Em Julho, surpreendeu o público português ao interpretar "Meu amor, meu amor", celebrizado por Amália Rodrigues. Depois da conquista, Lhasa de Sela regressa para confirmar o talento que lhe confere o título de cantora-revelação da "world-music". Lisboa recebe-a a 6 de Dezembro e Famalicão no dia seguinte. A cantora nova-iorquina vem mostrar de que é feito "The Living Road", que sucede à descoberta feita em 1997 através de "La Llorona". A voz é rouca, charmosa, num momento doce e noutro furiosa. Cuidado: pode encantar.

coco rosie "La Maison de Mon Rêve"

O álbum de estréia das irmãs norte-americanas Sierra e Bianca Casady é estranho e, ao mesmo tempo, charmoso e muito romântico. As irmãs se chamam coletivamente Coco Rosie e acabam de lançar "La Maison de Mon Rêve" (Touch & Go, 2004), que traz batuque de panelas, pássaros cantando, interferências do trânsito, letras esquizofrênicas e as delicadas vozes das irmãs - tudo numa produção bem tosca e caseira. Das poucas informações disponíveis sobre as moças, consta que Sierra estudou ópera e Bianca percussão, e que as duas gravaram e produziram as 12 faixas num apartamento em Paris entre 2003 e 2004. As músicas soam como algo entre folk e eletrônica com uma estranha mistura de dedilhados no violão, loops de um teclado eletrônico ultrapassado e letras que às vezes são perversas e na maioria das vezes são lamentações românticas. A letra de "By Your Side" promete que as moças farão de tudo para ser boas esposas por um anel de brilhante. "Lavo os seus pratos, faço a sua cama (...) nunca vou te trair, serei a melhor moça que você jamais teria e por apenas um anel de brilhantes, faço todas estas coisas pra você". Não dá pra saber se é sério ou irônico quando prometem que agora que "é quase meia- noite, tudo que eu quero é ser a sua esposa". A faixa traz um quê experimental nos batuques e uma forte influência de Billie Holiday, não só nos timbres vocais das irmãs más como também nos glissandos, muitas vezes brincando e "atrasando" o andamento da melodia. Ouça "By Your Side" em alta ou em baixa velocidade. Os maneirismos vocais lembram em mais de uma faixa Billie Holiday, tanto pelo quase choro na voz - o lamento, o blues - como pela força da expressão vocal, superando a falta de técnica e a pureza nas vozes. Na maioria das faixas, as duas cantam juntas, uma brincando e emendando no fraseado da outra, tornando as músicas delicadas confissões íntimas. Na faixa "Jesus Loves Me", a letra traz frases de uma clássica canção de ninar norte-americana misturada com observações travessas das moças. A canção abre com "jesus loves me but no my wife, not my nigger friends or their nigger lives" e emenda com "read your bible good and well/don't forget about that happy spell". O resultado é um blues em versão atual, estilo baixa fidelidade. Ouça "Jesus Loves Me" em alta ou em baixa velocidade. Além da influência de blues, há também várias referências de spiritual, música tradicional negra norte-americana. A faixa "Tahiti rain song" abre com chuva, há percussão que não entra direito para marcar o andamento, sons eletrônicos que reproduzem galinhas cacarejando e o som do vento. Apesar dos elementos, o conjunto soa atmosférico. A faixa emenda com um instrumental, "Candy Land", que de tão celeste é um sonho traduzido em som. Ouça "Tahiti Rain Song" e "Candy Land" em alta ou em baixa velocidade. A canção de amor por excelência do álbum é "Good friday" com Sierra e Bianca cantando, conversando, sussurando que "me apaixonei por você só porque o céu mudou de cinza para azul" e acaba com "eu acredito em São Nicolau, é um papai Noel diferente". Lembra Marc Bolan em início de carreira com Tyranossaurus Rex, quando cantava sobre astrologia e mitos obscuros, dedilhando o violão acompanhado apenas de percussão. É provocante e, ao mesmo tempo, como todas as faixas do álbum, traz uma instigante estranheza. Ouça "Good Friday" em alta ou em baixa velocidade.